Sérgio Calqueiro: de África para o mundo

João Carona Costa

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Filho de mãe italiana e pai português, Sérgio Calqueiro nasceu em Moçambique. Embora saiba falar português, nunca viveu em Portugal e passou a maior parte da vida nos Estados Unidos. Só vinha ao nosso país passar férias numa casa que os pais tinham no Algarve.

Vive atualmente entre o Dubai, Grécia e Frankfurt, devido aos negócios da empresa, e é na Alemanha que está toda a base de operações da Foz Gold & Diamond Trading. É o diretor executivo dessa empresa e está no Dubai desde 2013.

O seu passado é ligado à medicina, que foi o que estudou nos Estados Unidos. Esteve envolvido num projeto em Angola, em que fornecia equipamento militar e medicamentos ao povo desse país, em 2007 e 2008, quando houve uma grande necessidade de receber esses bens e os EUA enviavam contentores com esse material. Foi nessa altura que Sérgio conheceu Isabel dos Santos e esses recursos fornecidos pelos EUA eram pagos em diamantes, visto existir nessa altura um grande problema com a saída de dólares de Angola.

Calqueiro começa assim a estudar o mercado e a envolver-se com um parceiro na África do Sul, onde criou uma joint venture chamada CS Roberts. Em 2009 inicia o seu negócio na Serra Leoa, onde comprava diamantes e ouro a mineiros locais por um preço baixo, uma vez que não tinham forma de exportar essas pedras preciosas para o mundo. Começou também a oferecer equipamento moderno a esses mineiros para que pudessem fazer a exploração dos seus terrenos, ricos em pedras preciosas, com maior facilidade e para gerar maior rentabilidade. Nessas comunidades forneceu também equipamentos agrícolas e alimentos, e começou a exportar para os EUA e Dubai.

Em 2013, quando começou a epidemia de Ébola na Serra Leoa, mudou as suas operações para o Dubai, o que considerou ser a melhor decisão que alguma vez tomou, quer pelo valor dos impostos, quer pela facilidade logística em mover o produto de África para os Emirados Árabes Unidos.

Sérgio explicou que nunca vendem para o mercado comercial, só para instituições de investimento.

NDW: Fale-nos um pouco do seu modelo de negócio.

Sérgio Calqueiro: A forma de operar da Foz Gold & Diamond Trading é muito simples. Procuramos pequenas comunidades de aldeias em África, cujos terrenos são ricos em pedras preciosas, compramos diretamente a esses mineiros locais e exportamos para o mundo. Temos, neste momento, cerca de trinta e cinco pessoas no terreno, divididas entre a Serra Leoa, África do Sul, Angola, Tanzânia, Guiné e Congo. Têm aparecido depósitos ricos em diamante e ouro, em Moçambique, e também já começámos a explorar os recursos naturais desse país.

NDW: O que distingue a sua empresa de outras semelhantes?

Sérgio Calqueiro: A nossa principal vantagem é que nunca tivemos problemas de capital. Começámos por comprar o produto relativamente barato na Serra Leoa e o dinheiro que íamos fazendo serviu sempre para reinvestir. Outro ponto principal que nos distingue é que nós só tocamos em diamantes que tenham KPC’s, ou seja, só trabalhamos com diamantes totalmente legais. Nunca tocámos em pedras que não tenham esses certificados, nem vamos tocar.

NDW: Porquê a sua preferência pelo Dubai?

Sérgio Calqueiro: Estamos no Dubai desde 2013 e é onde planeamos ficar durante muitos mais anos. Primeiro, porque tem leis e regalias que tornam tudo mais fácil para nós. Depois, porque é um ‘logistical hub’ muito importante e a sua localização faz com que seja fácil transportar as pedras de África para lá e depois exportar para o resto do mundo.

Temos escritórios do outro lado da Almas Tower, no DMCC, nas Executive Golden Crest Towers.

NDW: Com que tipo de clientes é que fazem negócio e de que países?

Sérgio Calqueiro: Os nossos clientes são, a maior parte, banqueiros de investimento. Situados em Nova Iorque, Los Angeles, Antuérpia, Londres, Genebra e Zurique. Por vezes fazemos negócio com Hong Kong, mas já tivemos alguns problemas com investidores desse país e decidimos abandonar um pouco essa zona. A maior parte dos clientes dessa área, a quem vendemos, são os que querem investir em diamantes, não para usar como troca, mas para os guardarem para um dia mais tarde.

NDW: Qual considera ser a forma mais rentável de investimento em diamantes?

Sérgio Calqueiro: Para nós, o nosso melhor mercado em termos de investimento em diamantes são pedras coloridas, pedras especiais. Se olharmos para os últimos 10, 12 anos, o valor dessas pedras aumentou entre 350 a 400 por cento, o que dá uma média de 35 a 40 por cento de lucro por ano.

Há uma coisa que entrou no mercado nos últimos anos, que são os diamantes de laboratório, e muitas pessoas dizem que não são diamantes, mas são de facto diamantes.

NDW: Qual é a sua opinião em relação a esses diamantes sintéticos e de que forma eles afetam o mercado?

Sérgio Calqueiro: Na minha opinião, ao contrário do que muitas pessoas da indústria dizem, os sintéticos são mesmo diamantes também. Em termos de custo de produção, é muito inferior aos naturais. A qualidade das gemas dos naturais atinge os 10 a 12% por cento, que servem para joalharia ou revender no mercado de investimento. O resto são diamantes para indústria. Isso leva a que, a grande parte dos diamantes sintéticos, ao contrário dos naturais, serve para todo o tipo de mercado e, infelizmente, isso tem tido uma influência muito grande. Porque uma pessoa que vá comprar, por exemplo, um anel de casamento, vai pagar em média 40% menos do que pagaria por um natural. Esse diamante, embora sintético, é um diamante e polido não é possível detetar diferenças entre esse e um natural, a olho nu. Embora já comecem a surgir máquinas que detetem essas diferenças, são ainda muito caras.

Esse tipo de diamantes tem tido uma grande influência no mercado retalhista, pelas razões que indiquei anteriormente. No nosso negócio, eles não têm grande influência, porque os nossos investidores só estão interessados em diamantes naturais. Mas também não vêm ajudar, porque isto é um mercado que tem diminuído de valor nos últimos 10 a 15 anos, muito por conta da maior circulação de informação. Hoje toda a gente tem um smartphone e consegue ver facilmente a que valor está o mercado, ou seja, os africanos já não vendem diamantes ao desbarato. Vendem agora também a preços competitivos, tendo em conta o valor global dessas pedras.

NDW: Sendo assim, pensa investir em diamantes sintéticos?

Sérgio Calqueiro: Não, a nossa empresa só investe nos diamantes de cor e só lidamos com diamantes com KPC’s, por isso, por enquanto, nem consideramos a possibilidade de investir em sintéticos.

Até porque, sendo um mercado ainda muito recente, não temos ideia dos lucros que pode gerar, nem de como vão funcionar os preços. É um pouco como quando apareceram os diamantes naturais pela primeira vez. Também não sabíamos o verdadeiro valor que essas pedras poderiam vir a ter. Mas eu acredito que os sintéticos têm muito futuro e, como podemos observar, as maiores empresas diamantíferas como a De Beers e a Anglo American já produzem esse tipo de pedras. Já foram abertos vários laboratórios no Dubai, ou seja, para toda a indústria começar a investir nisso é porque se trata de um mercado que só tem tendência para crescer. Atualmente conseguimos comprar diamantes sintéticos a um valor 60% mais baixo do que o dos naturais.

NDW: Qual considera ser atualmente a pior forma de investimento nesta área?

Sérgio Calqueiro: O pior tipo de investimento no setor dos diamantes é a compra de anéis. O que se sucede quando uma pessoa compra um diamante em loja, quando se sai pela porta, essa pedra já só vale 30% do valor que foi gasto, porque os revendedores podem comprar os diamantes muito mais baratos a entidades como a minha.

NDW: Naturais versus sintéticos no mercado: quais as principais diferenças?

Sérgio Calqueiro: Embora os naturais e os sintéticos sejam ambos diamantes, existem algumas diferenças. Primeiro, os sintéticos podem ser vendidos por preços muito menores, porque os produtores não têm de se preocupar com os custos de produção associados a uma mina. Não têm de pagar toda essa parte da logística, a cadeia de fornecimento é muito mais barata, não têm os custos de explorar a mina e extrair as pedras, para depois as transportar para os locais onde vão vender, nem têm de pagar impostos de segurança.

Neste momento, a grande diferença entre estes dois tipos de diamantes são os tamanhos. Os laboratórios ainda não conseguem fazer diamantes muito maiores do que 5 a 6 quilates, mas também não estão longe de alcançar a tecnologia que vai permitir isso. Estimo que, dentro de um período de quatro anos, já seja possível criar diamantes maiores.

Outra das diferenças é que, no estado bruto, conseguimos distingui-los principalmente pela forma, porque os de laboratório, em bruto, têm uma forma que não surge na natureza. Polidos não é possível distingui-los sem ter uma máquina.

NDW: Embora não pense em investir em sintéticos, é um mercado que considera ter futuro?

Sergio Calqueiro: A partir do momento que as grandes empresas como a De Beers já os produzem e 30% das suas vendas já encaixam nesse setor, só podemos dizer que é um mercado com futuro. Os vários laboratórios que já foram construídos no Dubai sustentam a minha opinião. É muito cedo para saber a realidade deste mercado. Ainda temos de esperar muitos anos para saber qual será o impacte real, mas eu acredito que só tem tendência para crescer. Embora estejamos a passar por uma má fase em termos financeiros, porque a guerra afeta todos, independentemente de onde estejamos no mundo, as pessoas vão continuar a casar, os rapazes vão continuar a querer oferecer anéis de diamante às raparigas e, se puderem pagar 50% menos, por que não o hão-de fazer?

A tecnologia ainda é muito limitada em termos de comparação, mas já existem máquinas em que se coloca o diamante e elas dizem “E” de Earth ou não, se for sintético. Essas máquinas começam a surgir na Holanda.

E o que está a acontecer em África, é que estão a ser produzidas muitas pedras de laboratório e misturam-nas com as naturais.

NDW: Negoceia com Portugal?

Sérgio Calqueiro: Já tentei, até porque existiu em Portugal uma tentativa de criação de uma bolsa de diamantes parecida com a do Dubai, mas o IVA tornou as coisas muito complicadas. Porque as margens normais são entre 10 a 15 por cento e, em Portugal, pagava-se 23 a 24, o que tornava as coisas impossíveis. Depois tinha de tornar o produto muito mais caro para o investidor final e não encaixou na nossa filosofia. Logo, desistimos de Portugal.

NDW: Quais foram os efeitos da pandemia para o seu negócio?

Sérgio Calqueiro: Como para a maior parte do mundo, a pandemia foi péssima para o nosso negócio. Embora as pessoas dissessem que se podia continuar a movimentar carga, o Dubai fechou completamente as suas portas ao resto do mundo. Não conseguíamos transportar o nosso produto. Outra situação que afetou muito o negócio durante esse tempo, é que nós precisamos de ter os nossos peritos no terreno, a andar livremente por África à procura de novas terras ricas em materiais e, nessa altura, tivemos essas pessoas completamente paradas. Foram tempos muito conturbados e espero não ter de voltar a passar por uma situação tão má em termos de negócio.

NDW: Quais as suas perspetivas no futuro próximo com a guerra Rússia-Ucrânia?

Sérgio Calqueiro: Sei que parece mal dizer isto, mas é a realidade. Para o nosso negócio, esta guerra é uma situação muito boa. A ALROSA é a maior produtora de diamantes russos e, embora caros, têm muita qualidade. Esta guerra levou a que existisse uma falta de fornecimento na indústria. Não são emitidos KPC’s para a Rússia e isso abriu uma janela de oportunidade para nós, porque a nossa clientela aumentou.

Para nós, pessoalmente, a guerra foi boa porque são 15 milhões de quilates por ano que deixam de estar disponíveis no mercado e este precisa que alguém reponha esse fornecimento. Os países que mais ganham com a guerra são Angola e os EAU. É mau para a indústria no geral, porque existe uma falta, mas é bom para os produtores, porque os preços estão a subir novamente, após os anos de pandemia.

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