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Maria João Bahia: As jóias como fonte de poder e de liberdade

Com uma jornada de quase quatro décadas no mundo das jóias, Maria João Bahia continua a criar peças únicas, jóias que nos surpreendem, que nos fascinam.

O edifício número 102, localizado na Avenida da Liberdade, no coração de Lisboa, acolhe diversas peças de joalharia que revelam as suas experiências e grandes inspirações, bem como objetos de decoração feitos em prata, e objectos de l’art de table.

As criações de Maria João Bahia transcendem as mais diversas áreas. É autora do relicário inspirado no padroeiro da capital, São Vicente, oferecido ao Papa Bento XVI, em 2010, pelo Patriarcado de Lisboa, e do tão conhecido Globo de Ouro, atribuído às personalidades distinguidas pela SIC e pela Revista Caras todos os anos em Portugal. 

É também a mente por detrás do terço que acompanhou a Seleção Nacional ao Mundial de Futebol em 2014, que foi benzido pelo agora cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente. Assim como da jóia para Jane Fonda, aclamada estrela de Hollywood, em 2016. 

Maria João explicou à Natural Diamond World o seu processo criativo e inspirações, o uso de diamantes nas suas jóias, o papel que assumem na sociedade e na sua vida enquanto criadora e mulher. 

Natural Diamond World (NDW): Pode explicar-nos um pouco do seu processo criativo e também quais são as suas maiores fontes de inspiração quando está a criar as peças? 

Maria João Bahia (MJB):

As minhas jóias são muito orgânicas. São fluídas. A minha relação com a Natureza tem um papel importante no meu processo criativo.

Tudo o que gira à nossa volta, de uma forma ou de outra, interfere no processo criativo.

Eu interpreto e materializo esses inputs.

Brincos Ostra com diamantes, pérolas Keshi e em ouro.

NDW: Quando faz um esboço da peça que quer criar, consegue logo imaginar as pedras preciosas que vai usar nessa jóia em específico? 

MJB: Trabalho de duas formas. Ou faço o desenho e tenho a ideia da peça e depois vejo as pedras ou, se encontro uma pedra pela qual me apaixono, faço a jóia em função da pedra.

Se a pedra for muito fora do comum, que não tem lapidação nenhuma ou que é completamente orgânica, desenvolvo o trabalho em função da jóia.

NDW: Encontra beleza na imperfeição? 

MJB: Somos todos imperfeitos, assimétricos. A imperfeição não é sinal de uma coisa feia. Pode ser linda. Depende da maneira como nós a vemos.

Trabalho muito com pérolas barrocas, que são irregulares na sua forma. Para mim são lindas.

Gosto de pedras que não têm qualquer lapidação, sejam brilhantes, turquesas, rubis. Tenho de as ver e de me apaixonar por essa pedra.

Brincos com peridoto e diamantes, acompanhados pelo colar Riviera Borboleta.

NDW: Como é o processo de escolha dessas pedras preciosas? 

MJB: As pedras brutas são escolhidas pelas características que cada uma tem. Não tenho, nem consigo ter nenhum critério objetivo.

Em relação às pedras lapidadas, escolho em função dos critérios de cada uma delas.

NDW: Onde é que a Maria João consegue encontrar esses materiais, em específico os diamantes?  

MJB: Compro normalmente aos meus fornecedores ou nas feiras internacionais.

NDW: Também compra diamantes nas feiras internacionais? 

MJB: Sim, muitas vezes.

Brincos com diamantes e pedras preciosas criados pela designer.

NDW: A Maria João afirmou que o ato criativo se deve desenvolver em total liberdade. Acha que foi sempre uma mulher livre e que conseguiu seguir sempre a sua visão? 

MJB: Acho que sim. Acho que sempre fui uma mulher livre. Sempre decidi o que queria fazer, quais eram as minhas escolhas.

NDW: Gosta de estar no seu próprio ambiente quando está a criar e concentrada? 

MJB: Gosto, mas não preciso de estar sozinha, não me faz diferença. Gosto de estar especialmente aqui [na boutique].

NDW: Normalmente, dependendo de cada peça, o seu tempo de criação e produção demoram mais ou menos quanto tempo? Ou depende também da inspiração? 

MJB: Não consigo contabilizar o tempo de criação. A única coisa que consigo dizer é que, às vezes, o que me acontece é começar um trabalho e depois ter de parar alguns dias, não para pensar no trabalho, mas porque há qualquer coisa de que não gosto. 

Fica então parado e depois recomeço. Nem tudo sai com a mesma fluidez. Ou então ter assim alguns desafios que naquele momento não sei como resolver. Não sei exatamente aquilo que quero e, para mim, a noite é muito boa conselheira.  

Durante a noite, ou no dia seguinte de manhã, tenho normalmente uma ideia para resolver, como me acontece com muita coisa na vida. Surge-me uma ideia que me ajuda a resolver. Acordo a meio da noite e anoto num papel.

NDW: Qual foi para si a peça mais desafiante para si e aquela que mais gostou de fazer? 

MJB: A peça para o Papa foi bastante desafiante porque era com uma relíquia de S. Vicente, padroeiro da cidade de Lisboa. Foi uma peça oferecida pelo patriarcado de Lisboa e um trabalho que gostei imenso de fazer.  

Há uns anos fiz um trabalho para um dos donos da Hermès que adorei. Tenho feito trabalhos que têm sido muito prazerosos. Têm sido desafios grandes. Fiz, uma vez, uma manta para um cavalo com peças em prata.

Tenho tido trabalhos muito interessantes.

NDW: Muitos desses trabalhos estão ligados à religião, como foi o caso do relicário, ao desporto, à cultura. Qual, na sua opinião, teve um maior impacte?  

MJB: Com impacte para o público penso que foram os Globos de Ouro, por estar mais visível, ser muito abrangente e mediático.

Par de brincos com pedras preciosas e pérolas.

NDW: Como se sente com o facto de que o seu trabalho se vai perpetuar ao longo do tempo? 

MJB: O mais importante para mim é saber que o meu trabalho, de uma forma ou de outra, fez a diferença na vida de alguém.

NDW: Quando está a nomear as suas peças segue algum método? 

MJB: As peças têm e contam uma história por detrás delas. Têm alma. [Esse aspeto] é efetivamente a inspiração do trabalho. Portanto, damos o nome a essas peças para depois as podermos identificar.

Brincos da coleção Tétris.

NDW: A Maria João criou, há algum tempo, uma linha para a empresa holandesa Holshuijsen-Stoeltie Diamonde. Como surgiu esse projeto? 

MJB: Fui contactada e fizemos uma coleção para eles de várias peças em ouro branco e diamantes. Tudo muito inspirado nos móveis do Luís XVI, trabalhados com flores e folhas com detalhes muito elaborados.  

Apresentámos essa coleção numa feira do Mónaco, que era sobre produtos de luxo. Os diamantes eram todos da empresa, e eu fiz os desenhos e protótipos das peças.  

NDW: Regressando ao nosso país, como descreve o mercado de jóias em Portugal? 

MJB: Desde que houve a liberalização do ouro e que deixou de ser apenas o ouro de 19 quilates a ser utilizado, e começou a estar aberto aos outros quilates, é muito mais flexível.  

Relativamente ao mercado nacional, acho que está a crescer. Mas acho que falta, sobretudo, criar-se mais identidade.

NDW: Quando diz que está a crescer, refere-se à oferta e também à procura? Sente que também há mais procura? 

MJB: Acho que há mais procura. Temos agora muito mais pessoas a viver em Portugal. Penso é que não há uma identidade grande das marcas. As marcas não estão perfeitamente definidas nas suas linhas.  

Abrir o mercado é ótimo. Há mais pessoas a trabalhar e mais concorrência também, mas era sobretudo bom para todos que a oferta fosse diversificada e que uma pessoa conseguisse olhar para uma peça e identificar logo a marca.  

Sei que não agrado a toda a gente, nem vendo para toda a gente, mas também não posso ter essa pretensão. Todavia, também tenho uma linha e sei a razão pela qual as coisas são feitas. Dentro de uma linha há várias derivações, mas sigo um princípio. Por isso é que temos de ser livres no processo criativo, mas ele tem de ser trabalhado num sentido. 

Colar inspirado na Natureza.

NDW: Por que é que criou os workshops com os noivos, ou o projeto Reborn? É uma maneira de aproximar as pessoas do processo de criação? 

MJB: Os noivos, quando aqui vêm, trazem sempre uma história muito engraçada. O anel do pedido é quase como uma terapia. Faz-se o anel, conta-se a história e é um momento muito importante para os noivos que acho muito ternurento.  

Achei, na altura, que envolvê-los nesse processo de produção era importante, porque é uma coisa que sentem muito. Para muitos é a primeira vez que vêm comprar um anel ou é a primeira vez que gastam mais dinheiro do que o normal numa coisa muito importante.  

Sempre fiz muitos anéis, desde que comecei a trabalhar, mas acho que agora esse processo me toca mais. Há muitas histórias que são contadas e achei que fazer as alianças era uma coisa muito valorizada, que faz parte de uma vida que começa naquela altura. É um momento muito pessoal.  

Os workshops também surgiram porque me começaram a perguntar muito sobre o processo criativo. Fizemos então alguns com base nesse trabalho e é uma coisa de que também gostam muito. Todos temos um processo de criação.  

NDW: As suas peças incorporam a história nacional, com os seus símbolos mais notáveis. É uma forma de levar a história portuguesa ao mundo? 

MJB: É uma forma, porque acho que a nossa história é muito rica. Tem tantos momentos que são gloriosos, com objetos e elementos lindos, e a única coisa que eu posso fazer é reinterpretar esses objetos e adaptá-los ao século XXI.  

É uma forma de homenagear o nosso percurso e sinto-me bem a fazê-lo. Sinto-me confortável com a associação entre a jóia ou o colar que criei e a História de Portugal.  

NDW: Foi sempre um gosto pessoal? Sempre teve essa admiração pela nossa história? 

MJB: À medida que vamos crescendo, vamos vendo a história de maneira diferente. Vamos lendo, estudando e fui tendo interpretações diferentes. Umas melhores, outras piores. 

Pensando nas boas, os monumentos que existem são uma fonte de inspiração que não acaba. Não precisamos de fazer mais nada, é praticamente só selecionar, que a informação está lá toda. Está tudo inventado. Agora é olhar e reinventar. Tentar ver o que está à nossa frente de uma forma mais além. Ver um objeto de maneira mais profunda e dissociada na sua função.  

O Padrão dos Descobrimentos, tem imensas coisas, como a Esfera Armilar. Tenho uma coleção inteira inspirada nela.  

NDW: Começou a sua carreira nos anos 80. Quais são as maiores diferenças que notou na joalharia em Portugal desde que começou? Ou seja, a evolução que houve a nível de tendências e clientes? 

MJB: Penso que as jóias evoluem como nós. Também evoluímos com o tempo. Temos uma visão diferente, uma maneira de estar e comportamentos diferentes. As jóias acompanham a nossa vida, a nossa maneira de estar. São também adaptadas às necessidades que temos.  

Antigamente usavam-se jóias à noite e em festas. Hoje em dia usam-se mais durante todo o dia, porque as pessoas trabalham, saem do trabalho e vão diretamente para os eventos.  

A mim acontece-me isso. Trabalho e depois vou diretamente à inauguração de uma exposição. Aquilo que tenho de manhã é aquilo com que vou à noite. Uma grande parte das jóias tem de acompanhar essa evolução.  

O projecto Reborn é exatamente pegar em jóias que já estão fora do contexto e dar-lhes uma nova vida. Por exemplo, pegar em alfinetes muito grandes, que já não se usam, que são muito pesados e desconstruí-los. Com essas jóias mais antigas sentimo-nos mais velhas e ninguém hoje gosta de se sentir assim.  

O que tento fazer é nunca destruir a jóia e aproveitar o máximo possível da peça. Muitas vezes multiplico-a. Se for um alfinete enorme divido-o em duas partes e faço uns brincos assimétricos. Aproveitar o que se pode, mas adaptar às necessidades dos dias de hoje.  

NDW: Nos últimos anos tem vindo a apostar na internacionalização da sua marca. Em 2018 afirmou que queria abrir uma loja no estrangeiro. Como tem sido a promoção desse projeto?  

MJB: Entretanto houve toda essa história [da pandemia] e nós mudámos um pouco a estratégia. Em vez de estarmos a abrir fisicamente, começámos a fazer exposições e tours por várias cidades.  

Mas é um projeto que estamos a desenvolver e está a correr bem. Fizemos várias feiras até 2020 e depois tivemos de parar. Quando acabou o confinamento, começámos com esta nova estratégia que é fazer exposições em várias cidades, na Suíça, nos Estados Unidos. É o que temos estado a fazer.  

NDW: Também costuma usar jóias com diamantes no seu dia-a-dia? 

MJB: Uso sempre. Uso jóias todos os dias. Acho que as jóias são muito femininas e penso que nós, mulheres, temos a possibilidade de as usar. Os homens também as usam. É uma pena não valorizarmos mais esta parte feminina de nos mimarmos a nós próprias.  

Usar uma jóia não é uma coisa transcendente. É elegante, valoriza-nos, dá brilho à cara. Torna-nos mais interessantes e, portanto, faz parte do meu dia-a-dia. Não consigo sair de casa sem brincos ou sem anéis. 

Maria João Bahia adornada com as suas jóias.

Redação

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