Leanne Kemp: a pioneira das blockchain na indústria

A australiana Leane Kemp, empresária e especialista em engenharia de software, foi a primeira pessoa a entender o potencial das blockchain na indústria diamantífera. Isto quando todas as outras pessoas ainda pensavam nessa tecnologia como exclusiva da primeira criptomoeda, a Bitcoin.

Em 2015 mudou-se para Londres, já com algumas ideias de como fazer funcionar uma blockchain a favor de uma melhoria substancial em toda a cadeia de exploração, transformação e comércio de diamantes.

Com um passado ligado aos seguros e à joalharia, Kemp detectou os principais problemas desses sectores e concebeu uma solução informática adequada para a situação. Parcerias com o grupo Barclays e a IBM garantiram a base técnica do projecto, para o qual já angariou mais de 37 milhões de dólares.

Leanne Kemp é actualmente uma das empresárias e especialistas mais importantes no sector da inovação tecnológica para a indústria de diamantes. A sua empresa, a Everledger, é uma referência mundial no campo da transparência das cadeias de fornecimento de diamantes, servindo de exemplo a todos os outros sectores de comércio e circulação de bens.

Existem actualmente muitas outras empresas a empregar a tecnologia blockchain para fins idênticos, incluindo as diamantíferas ou suas relacionadas. Kemp continua, no entanto, um passo adiante, pela capacidade de inovar através das parcerias que garantiu ao longo do seu percurso.

NDW: A sua empresa foi a primeira a usar uma blockchain para identificar e certificar diamantes. E fez questão de observar, a determinada altura, que não foi uma ideia nova, mas uma solução. Quer explicar essa afirmação?

Leanne Kemp: Tenho uma história de 25 anos no campo da rastreabilidade. Posso rastrear tudo, desde vacas a cangurus australianos. Sou engenheira de software. A primeira vez que me surgiu a ideia foi em 2014, para validar a forma como poderíamos usar a blockchain, que é uma tecnologia de rede, para permitir a transparência nas cadeias de fornecimento. Os diamantes são a indústria perfeita para o fazer. Sabemos agora que essa tecnologia pode “casar” com outras tecnologias, como por exemplo a RFID ou a Machine Vision, de forma a documentarmos a nossa cadeia de fornecimentos.

Quando disse que não era uma ideia nova, referia-me a duas coisas. Primeiro, a tecnologia blockchain não é uma novidade. É uma combinação de várias outras tecnologias que se juntaram numa nova forma em particular. Combina sequenciamento criptográfico numa perspectiva de segurança que permita garantir uma manutenção fidedigna e confiável dos dados. Quando se combina isso com os problemas a resolver, sejam eles perceber a origem dos diamantes, mostrar provas na blockchain do percurso dos diamantes ou, como as pessoas actualmente se perguntam sobre a sustentabilidade da pegada ecológica dos diamantes. Como é que se calcula isso, ou a responsabilidade de uma companhia nesse processo? São questões às quais estas tecnologias estão perfeitamente posicionadas para responder.

NDW: Quando começou, foi difícil explicar o que queria fazer aos intervenientes da indústria?

Leanne Kemp: A explicação é simples quando, em primeiro lugar, se entende o problema a resolver, bem como a tecnologia a usar e se pode juntá-los. Portanto, posso garantir que o desafio na indústria é, não apenas a importância de educar o mercado na relevância desta tecnologia, mas no facto de ser a nova vaga.

Da mesma forma que dissemos em tempos que a blockchain é o passo seguinte daquilo que conhecemos como a World Wide Web para uma World Wide Ledger. Noutras palavras, como é que uma indústria poderia pensar em si própria se a Internet não fosse o sistema operacional central do momento? Quando pensamos na ligação à Internet como sendo realmente importante para tudo, desde a comunicação entre a indústria, ou o email, penso que a base das blockchain é tão importante hoje como a Internet foi nos anos 90, e como é para a próxima geração de tecnologias na economia.

Portanto, é complicado tentar explicar esta tecnologia de uma forma simplista e explicar também que é uma tecnologia persistente, ou seja, que vai permanecer por várias gerações e precisa de ser considerada como uma parte importante da infaestrutura digital.

A sua aplicação é tão poderosa que pode ser usada em qualquer coisa, desde o metaverso até ao rastreamento e cálculo de de contratos. É como um canivete suíço, com capacidade de resolver muitos problemas e sustentar soluções poderosas.

NDW: Quer explicar o que faz, em concreto, a Everledger pela indústria dos diamantes?

Leanne Kemp: Ajudamos a indústria a mostrar, a contar e a vender a sua história boa e verdadeira. Simplesmente. O que quero dizer é: mostrar provas de onde vêm os diamantes, que impacte têm, tanto no sector da extracção dos naturais, como dos criados em laboratório, durante o período do seu crescimento, na cadeia da cadeia global de fornecimento. Nos estudos de impacte em que os produtores ou outros participantes investem e como esses diamantes são únicos, na sua natureza química e física, assim como na sua história individual.

NDW: Há inúmeras empresas a dizer que fazem o mesmo que a Everledger. Incluindo as blockchain mais recentemente adoptadas e implementadas pelas instituições da indústria, como a HRD Antwerp e a De Beers. Pode dizer-nos como se diferencia e contribui com mais segurança e inovação?

Leanne Kemp: HRD é uma parceira e ajudamos, em conjunto, a fornecer soluções ao mercado. A nossa empresa é a parte da informação especializada que ajuda essas companhias a garantir a segurança e a confiança na rede blockchain, para mostrar, contar e vender a verdadeira história por trás dos seus produtos.

Estamos na vanguarda dessas tecnologias, seja no nível dos protocolos ou no dos dados. A Everledger tem 70 pessoas na sua organização, todas completamente focadas na inovação, tecnologia, dados e ciência de dados. Portanto, toda a nossa organização é uma mão cheia de super nerds [cromos] a construir esta realidade. Em parceria com alguns dos sectores líderes da indústria, tal como o HRD, GIA, IGI. A lista não acaba. Fazemos parcerias com essas empresas para trazer esse nível de tecnologia para o mercado.

A equipa da Everledger

Também entendemos como necessário ir além dos 4Cs do diamante e ter um relatório de transparência. As pessoas querem saber a sua origem, proveniência e a viagem das gemas. A história do seu impacte, a pegada ecológica, a certificação. Tudo isso se tornou já parte do funcionamento da cadeia comercial do diamante.

É aí que a Everledger brilha, fornecendo não só a tecnologia, como a sua aplicação na forma de uma plataforma para o mercado.

Por isso, não os vemos como competidores, mas antes como parceiros, porque no fim, damos as mãos para entregar um produto superior à indústria.

NDW: Por que razão a parceria com a IBM continua a funcionar e a evoluir? E como?

Leanne Kemp: Porque há mais do que um problema para resolver e porque existe uma evolução dos problemas com o tempo. Quando vemos e entendemos que a blockchain é uma camada crítica em termos de tecnologia, isso alimenta uma série de passos em termos de inovação e em termos de novos mercados.

Seja no distante metaverso, de que toda a gente fala agora, e em que a blockchain é o mecanismo e o nível de protocolo capaz de nos conduzir muito além de 2030, seja em ambientes como na viagem dos diamantes, em que resolver o problema da origem e do rastreamento é essencial para saber a pegada ecológica e avaliar a emissão de gases produzida, tudo isso se tornou um componente nuclear do mercado global.

Estejamos nós na indústria dos diamantes ou das gemas em geral, joalharia ou noutro extremo, como marcas têxteis, minérios essenciais, veículos eléctricos, baterias, não há nenhuma indústria actual que não esteja a tentar solucionar problemas similares. Ou seja, de onde é que vem uma determinada coisa e para onde vai depois, é a ideia de uma economia circular, de acordo com os SGD (Sustained Development Goals, ou ODS, Objectivos de Desenvolvimento Sustentável).

Há, portanto, muito em jogo, particularmente se iniciarmos a corrida para a Rede Zero e Ambientes de Desperdício Zero, e 2030 é um desses momentos-chave e críticos do calendário para onde nos dirigimos todos. Nesse sentido, as tecnologias têm amadurecido cada vez mais e transformado em blocos de referência para um comércio ético.

NDW: Quer indicar algumas companhias cuja tecnologia e estratégia a tenham impressionado positivamente? Que considere terem potencial positivo na inovação e na tecnologia?

Leane Kemp: Na indústria dos diamantes ou num espectro mais abrangente?

NDW: O nosso assunto são os diamantes.

Leanne Kemp: Pensando nisso, vemos que empresas que estão na indústria há muitas décadas estão sempre a reinventar-se. Também estão mais integradas, a montante e a jusante, sejam elas as maiores marcas internacionais, como a Tiffany ou a Sarine, por exemplo. Basta uma busca na internet para ver como eram os sites delas e ver como palavras como inteligência artificial, blockchain, metaverso ou NFT, que nunca usavam, hoje se tornaram uma linguagem de inovação operacional. A indústria renova-se regularmente, sem dúvida.

O que é incrível para uma empresária como eu, uma pessoa que não está integrada no mundo das corporações, que consegue ver um problema e o resolve com uma tecnologia emergente, é começar a ver os empresários dessas companhias que a conseguir detectar os problemas e a resolvê-los com essas mesmas tecnologias de ponta.

É por isso que temos a De Beers, a Sarine e até o GIA, que agora emite relatórios digitais. É um salto gigantesco para o que eram há apenas dois anos, quanto mais há dez. Essas empresas substanciais na indústria, estão sempre a reinventar-se. Por isso, vou buscar nelas inspiração.

NDW: Que achou das três empresas que, na FACETS2022, apresentaram os seus modelos de negócio?

Leanne Kemp: Uma africana, outra de Antuérpia e uma de revenda de jóias. Todas elas eram de empreendedores, não de pessoas empregadas por uma grande entidade corporativa da indústria. São inovadores que tentam resolver um problema do mercado ou criar uma posição completamente nova nesse mesmo mercado.

Todas elas me impressionaram com soluções muito diferentes, cada uma delas com um potencial distinto no mercado, alguns com um foco intencional na região de Antuérpia, outros no contexto global. Todas as propostas tinham um contexto temporal definido, mas não havia dúvidas sobre o que acrescentavam à indústria, muito bem elaboradas e sem deixar dúvidas quanto ao que propunham. Todo o júri encorajou o trabalho deles.

Marita Moreno Ferreira

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