O Botsuana anunciou que pretende aumentar a sua parte dos lucros da indústria diamantífera, pois os diamantes são uma peça fundamental na economia do país que agora se impõe face aos lucros que a De Beers tem com a matéria-prima produzida nesta nação africana.
O Presidente Mokgweetsi Masisi foi citado como tendo dito que o Governo quer uma percentagem mais elevada da produção local para as suas próprias vendas, e que o executivo estava preparado para se afastar das conversações se as suas exigências não fossem satisfeitas.
A natureza exata das condições impostas pelo Governo não foi revelada. Pensa-se que estejam relacionadas com a quota de produção que vai para a Okavango Diamond Company (ODC), a empresa estatal que realiza vendas de diamantes brutos.
A distribuição de diamantes acima de 10,8 quilates também pode estar sobre a mesa, assim como a percentagem de gemas que a De Beers fornece às fábricas do Botsuana.
O Governo tem poder nas negociações do sector do marketing, mas a De Beers controla a exploração mineira, e esta tem um peso significativo nas finanças do país.
O peso da De Beers no país
Em termos de produto interno bruto (PIB), a exploração mineira faz a maior contribuição, sendo que representa cerca de 20% do PIB, onde a produção diamantífera tem uma extrema importância.
A De Beers investe enormes quantias para assegurar a continuidade da produção mineira, em grande parte através do acionista maioritário Anglo American, e tem o know-how técnico e a experiência para gerir projetos de tal escala.
Para o co-presidente da De Beers, Bruce Cleaver, “é necessário tomar decisões sobre grandes projetos de expansão que estão previstos nas minas de Jwaneng e Orapa. A De Beers não pode fazer tais investimentos, que poderiam ascender a milhares de milhões de dólares norte-americanos, sem as licenças mineiras em vigor”.
Embora o acordo de comercialização e a licença de mineração tenham sido historicamente assinados de forma independente, desta vez ligam os interesses de ambas as partes, sugerindo que um pode ser utilizado como alavanca para influenciar o outro.
O contexto é complexo e nenhuma das partes quer ceder face às suas exigências. Como tal, o acordo entre as entidades já foi adiado três vezes, mas espera-se que em Junho o acordo seja oficializado.
O Botsuana detém uma participação de 15% no grupo De Beers, com a Anglo American a deter os restantes 85%.
O Governo e a De Beers são também co-proprietários na Debswana, que supervisiona as minas da De Beers no Botsuana, bem como na Diamond Trading Company Botswana (DTCB), que classifica e valoriza essa produção.

Essencialmente, a produção das quatro minas da Debswana (Jwaneng, Orapa, Damtshaa e Letlhakane) é vendida à DTCB, onde é classificada e valorizada para distribuição aos seus dois clientes: 75% para a De Beers Global Sightholder Sales (GSS) e 25% para a Okavango no âmbito do acordo atual.
Na GSS, os bens da DTCB são misturados com a produção de outras minas da De Beers no Canadá, Namíbia e África do Sul e agregados em categorias para distribuição às sightholders.
Dada esta complexa estrutura de propriedade, o que significaria para a GSS se não fosse alcançado um acordo de marketing? A GSS depende da DTCB e, portanto, também da Debswana para dois terços do seu fornecimento, desempenhando um papel fundamental para ajudar a De Beers a cumprir os seus compromissos a longo prazo com as sightholders.
O Governo também tem interesse no sucesso da GSS. Ganha dividendos das vendas da DTCB à GSS e, como proprietária de 15% da De Beers. Assim, estaria a comprometer as suas receitas potenciais no país. Além disso, a GSS emprega 234 pessoas, das quais 220 são trabalhadores locais, e a redução da atividade da GSS colocaria os seus empregos em risco.
Okavango como ressalva do Governo

E o que significaria a não assinatura de um acordo de marketing amigável para a Debswana e a DTCB, detidas por meio do Governo? A produção poderia ir para a empresa estatal Okavango, mas especula-se se esta terá capacidade para arcar com volumes tão grandes de produção.
A Okavango vende através de leilões realizados 10 vezes por ano, coincidindo com a De Beers sights. Vendeu cerca de 5,9 milhões de quilates por 1,27 mil milhões de dólares norte-americanos em 2022, de acordo com os cálculos do Rapaport.
No entanto, os leilões são voláteis e dependentes das condições do mercado. O sistema de ciclos de vendas da De Beers, com os seus contratos a longo prazo, oferece maior estabilidade e proteção contra uma recessão, dando assim algumas garantias de receitas estáveis à DTCB que a Okavango não consegue ainda dar. O mercado precisa de confiança.
A HB Antwerp como aliada do executivo
Todavia, o acordo do Governo com a HB Antwerp, anunciado no final de Março, pode ser uma alternativa para o sucesso da Okavango.
O executivo pretende adquirir uma participação de 24% na HB Antwerp e fornecer o fabricante através da Okavango. Não foram divulgados mais detalhes, tais como quanto do fornecimento da Okavango irá para a HB Antwerp.
A HB Antwerp procura replicar com a Okavango o acordo que tem com a Lucara Diamond Corporation, proprietária da mina Karowe, no Botsuana.
A HB Antwerp tem os direitos exclusivos de todos os diamantes especiais da Lucara, através dos quais a Lucara ganha uma participação nos lucros com a venda das pedras polidas feitas pela empresa belga.
O executivo mostra sinais de, no mínimo, querer vender as gemas especiais da Okavango através da HB Antwerp, de uma forma semelhante à que faz com a Lucara.
A HB Antwerp planeia aumentar as suas operações no Botsuana.
As suas novas instalações são “as instalações diamantíferas mais avançadas do mundo”, afirmou o co-fundador e sócio gerente da HB Antwerp, Rafael Papismedov.

“A empresa está atualmente a desbravar terreno numa segunda fábrica, que é um plano ainda mais ambicioso, e 15 vezes maior”, acrescentou.
A HB Botswana, como é conhecida a filial local, comprometeu-se a aumentar o seu negócio no Botsuana em até 10 vezes nos próximos anos, aumentando para 485 empregados até 2026, face aos 30 que emprega atualmente, declarou o Presidente Masisi na inauguração da fábrica.
Para que a HB Botswana funcione a tal escala, precisará de mais do que as gemas especiais da Okavango. Irá também exigir uma parte justa dos bens comerciais correntes da Okavango, com a promessa de acrescentar valor também a esses bens.
Pensa-se que aqui a Lucara possa desempenhar um papel importante, uma vez que está à procura de outros fornecedores para venderem os minerais brutos através da sua plataforma Clara.
A Lucara afirma que esta é uma forma inovadora de comercializar bens de acordo com as necessidades de polimento dos compradores.
Embora a Clara tenha sido um processo lento para a empresa, a Lucara ainda afirma que os diamantes vendidos através do sistema ganham um prémio.
A HB Botswana planeia aumentar a sua produção de bruto para polido em Gaborone, mas pode ter excesso de brutos, devido ao seu acordo com a Okavango, para vender através da Clara.
Dada a escala da sua produção, a De Beers não pode dar ao executivo um acordo de partilha de lucros.
Tal acordo é viável para a Lucara, dado que tem uma mina com uma produção relativamente pequena, cerca de 335 769 quilates em 2022, e tem um cliente para vender os seus especiais, a HB Antwerp.
A De Beers produziu 34,6 milhões de quilates em 2022 e tem contratos de venda a longo prazo com cerca de 80 sightholders, com os quais seria difícil envolver em qualquer negócio de partilha de lucros.
Assim, segundo os especialistas, tudo o que a De Beers pode fazer é oferecer à Okavango uma parte maior do fornecimento da DTCB. Talvez pudesse aumentá-la de 25% para 30%, ou 40% numa extensão.
A produção da Debswana em 2022 atingiu 24,1 milhões de quilates e teve um preço médio de venda de 193 dólares por quilate, de acordo com o relatório anual da Anglo American.
Outro ponto de negociação poderia ser a divisão dos especiais da Debswana/DTCB de 10,8 quilates ou mais.
Ao abrigo do acordo atual, estes bens de maior valor são vendidos à De Beers GSS e à Okavango na mesma divisão de 75-25 como são o resto dos bens. Se estas percentagens forem alteradas, a De Beers corre o risco de não cumprir as metas de fornecimento às suas sightholders.
Os problemas da disputa fiscal no Botsuana
Outra questão que está em cima da mesa é a possibilidade de o Governo poder estar a pressionar a De Beers a esclarecer uma alegada disputa fiscal relacionada com a mudança da sede da GSS de Londres para Gaborone em 2013.
Como explicou um porta-voz da De Beers: Quando a De Beers concordou em estabelecer a GSS no Botsuana, estava efetivamente a transferir parte dos seus negócios no Reino Unido para o país, incluindo as receitas da venda de diamantes em bruto às sightholders.
Contudo, a empresa britânica continuou a desempenhar funções que eram críticas para o sucesso da indústria diamantífera, tais como a investigação sintética, o desenvolvimento de tecnologias de desenvolvimento sintético, bem como a criação e entrega de uma estratégia de marketing.
Os custos destas atividades benéficas para as funções da GSS são cobertos por transações entre empresas: uma taxa de marketing e royalties de 2% do total das vendas de diamantes brutos que a GSS paga à De Beers UK.
Um relatório divulgado pelo Botswana Unified Revenue Service (BURS) afirma que a direção da De Beers apresentou intencionalmente previsões “pouco razoáveis, irrealistas, desonestas, sem fundamento e enganosas” ao Governo e à autoridade fiscal para justificar os royalties. O relatório afirma que entre 2013 e 2020, a De Beers obteve lucros brutos de até 1,35 mil milhões de dólares norte-americanos na GSS através de taxas de royalty, marketing e investigação e desenvolvimento cobradas pela De Beers UK.
Em resposta às alegações, a De Beers afirmou que houve períodos em que o negócio comercial não era, de facto, lucrativo durante o período de tempo relatado. Que a empresa não podia prever nas suas projeções iniciais as quebras de mercado de 2015 e 2019, que levaram a perdas de exploração significativas. O porta-voz sublinhou ainda a contribuição que a De Beers tinha dado para a fiscalidade do país.
“Estamos empenhados em assegurar o pagamento do montante certo de impostos na altura certa, e comprometemo-nos com o BURS de uma forma aberta, transparente e construtiva para assegurar que assim seja”, afirmou um porta-voz da De Beers.
Ainda assim, a mineradora poderá fazer algumas concessões sobre esta questão à medida que as negociações atingem o seu clímax.
O resultado das negociações pode ser um compromisso de ambas as partes, uma vez que a simbiose é benéfica para o país e para a De Beers.
Factualmente, a De Beers tem impacte no país. O Presidente Masisi referiu que existem, atualmente, 48 empresas de corte e polimento a operar no Botsuana, com o emprego no sector quase a duplicar (4001 trabalhadores em 15 de Janeiro de 2023).
Fonte: Rapaport