Da escuridão para a luz

Marita Moreno Ferreira

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Ema Blanc trabalhou em joalharia, já teve o seu negócio e a sua marca. Nascida e criada em Angola, os diamantes sempre a fascinaram. Ainda hoje os admira pela ligação que têm à formação do planeta e à nossa história.

Estas pedras preciosas sempre tiveram um lugar especial na sua vida. E o seu interesse por elas não esmoreceu com o passar dos anos. Pelo contrário, cresceu e ganhou um sentido que se consolidou com o conhecimento que acumulou sobre elas.

O fruto proibido

NDW: Qual foi o seu percurso pelas jóias, como começou e como se desenvolveu esse interesse?

Ema Blanc: Como nasci e vivi em Angola até ao final da minha adolescência, os diamantes sempre povoaram as histórias mais fascinantes. Era o fruto proibido e, no meio em que vivia, quase nem se podia falar no assunto.

NDW: Era proibido porquê?

Ema Blanc: Porque o comércio era exclusivo da Diamang e ninguém se podia meter. Era um assunto muito perigoso, para quem andava atrás de diamantes. Mas sempre se ouviu falar no que acontecia nas fazendas, no soba que aparecia e oferecia um diamante. Tudo isso era um mundo muito fechado e com um grande fascínio.

NDW: Como foi parar à joalharia?

Ema Blanc: A dada altura fui trabalhar para uma ourivesaria na Baixa. A joalharia, os diamantes, as jóias e as pedras preciosas sempre tiveram encanto para mim. Comecei a lidar com as oficinas, as reparações e o fabrico de peças novas. Interessei-me por isso e mais tarde abri a minha própria joalharia, com duas sócias.

Frequentei cursos de ourivesaria e aprendi o ofício, porque vi que havia muito interesse de pessoas que queriam fazer modificações, que tinham peças antigas e queriam modernizá-las. Montei a minha oficina e criei a minha própria marca, “Ema Blanc”.

Imagem: Ema Blanc

NDW: Além dessa aprendizagem prática, como se processava na altura a formação?

Ema Blanc: O meu percurso na área dos diamantes é muito autodidacta, mas frequentei alguns cursos. Foi na prática de lidar com as pedras e convivência com outros profissionais do ramo, lapidadores, diamantários e cravadores que aprendi.

Havia um lapidador que trabalhou muito em Lisboa, o Manuel Reis, que tinha uma oficina de lapidação. Ia muitas vezes falar com ele, passava lá algum tempo e com ele aprendi bastante. Estive em Antuérpia várias vezes e isso também me ajudou a acumular conhecimentos.

Consegui ter um punção de industrial de ourivesaria, que na altura era uma coisa difícil de obter, mas muito necessário para divulgar as minhas jóias. No seguimento disso tudo fiz uma formação na Contrastaria [INCM], para avaliadora oficial que Completava o meu trabalho.

Hoje trabalho sobretudo como avaliadora de jóias e pratas, para tribunais, heranças, polícia e especialmente para leiloeiras.

NDW: Isso é uma faixa interessante para as leiloeiras?

Ema Blanc: Muito interessante. Há muita procura de joalharia e de prata nas leiloeiras. Com a febre do ouro, com a subida dos preços, houve muita coisa que foi derretida que não devia ter sido. Há falta de peças interessantes. Portanto, há bastante procura e é um campo de grande interesse para as leiloeiras.

O que dita o mercado

NDW: Esse mercado é mais para as jóias antigas ou também para as mais recentes?

Ema Blanc: As jóias recentes e modernas não têm tanto interesse, a menos que sejam de grifes conhecidas, Van Cleef, Cartier ou outros designers de renome. Essas têm sempre um lugar de grande destaque. Tudo o que são jóias a granel, sem um nome associado, morreu um bocadinho. Se bem que, pelo valor das pedras e do ouro, têm sempre procura.

Tudo o que são pedras grandes, diamantes grandes, tem sempre interesse. As jóias de época e antigas têm sempre grande procura, até porque começam a escassear.

NDW: E a nível de joalharia, em Portugal, há actualmente fabrico e design com diamantes?

Ema Blanc: Do que percebo, os jovens designers que saem das escolas não têm grande poder de compra. Não me parece que invistam muito em diamantes e pedras de grande valor. Penso que valorizam mais a jóia pelo design, pela criatividade, do que pela pedra. Essa é a orientação que vejo da parte das novas gerações de designers.

NDW: Isso é porque não há tradição?

Ema Blanc: Não diria isso. É a época que estamos a viver. Penso que é essa a orientação que as escolas de formação de novos joalheiros seguem. Depois cabe a cada um decidir como é que quer valorizar-se, se pelas pedras ou pelo seu trabalho e pela sua criatividade.

A certificação necessária

NDW: Na avaliação, recorre a algum laboratório?

Ema Blanc: Quando aparece um diamante lapidado de tamanho significativo, mando para um laboratório, para o certificar. Se a pedra está cravada já é difícil determinar ao certo o que interessa num diamante, que são os quilates, a claridade, a cor e o corte.

NDW: Aqui ou fora de Portugal?

Ema Blanc: Temos aqui um laboratório, mas também envio para Antuérpia, para o HRD ou para o GIA. Outras vezes faço eu, recorrendo à minha experiência e aos aparelhos que tenho para esse fim.

Também há um mercado que procura diamantes de lapidação antiga, para reprodução ou reposição de jóias antigas.

NDW: Aparecem-lhe muitos diamantes brutos?

Ema Blanc: Não é a minha área.

NDW: Ainda temos lapidadores em Portugal?

Ema Blanc: Temos, poucos, mas bons. Aqui em Lisboa e para a zona de Viseu.

NDW: Saindo um pouco dos diamantes naturais e passando para os sintéticos, o que pode dizer-me?

Ema Blanc: Os diamantes fabricados são um problema complicado para os avaliadores portugueses, porque ainda não há forma de determinar a qualidade sem aparelhos muito específicos e caros.

A luz e a personalidade

Ema Blanc: O que mais me fascina nos diamantes é o facto de corresponderem à transformação e à alquimia do ser humano. É um carbono puro, que não transmite luz nenhuma e, depois de todos aqueles milhões de anos e de ser lapidado, é capaz de reflectir, na totalidade, a luz que incide sobre ele.

Acho que é uma coisa extraordinária, que constela o que pode ser a evolução do ser humano, da escuridão para a luz. Claro que para chegar a esse apuro tem de ter a lapidação correcta, a coroa, a mesa, o pavilhão, a cintura, tudo tem de estar perfeito e corresponder àquela geometria sagrada que permite isso. Isso é o ponto máximo do fascínio que o diamante exerce sobre as pessoas, mesmo que não tenham consciência desse facto.

Além disso, cada diamante tem uma personalidade, que percebemos quando os manuseamos. Há diamantes que apesar de serem bons e de reflectirem a luz, não nos cativam. E há outros que, sendo mais pequenos e tendo mesmo uma lapidação menos perfeita, podem até valer menos, mas têm um fogo e uma personalidade que nos cativa. Uma pessoa que lide com os diamantes percebe e sente isso.

NDW: Um fogo?

Ema Blanc: Chamamos-lhe assim. O fogo é a vida que têm, a forma como reflectem a luz. Isso também é fascinante nos diamantes. É olharmos para eles e vermos as diferenças. Têm essa mensagem e trazem-nos essa realidade.

Não é só o valor comercial que têm ou o estatuto social que representam. É a ligação que têm com as pessoas, a representação da transmutação máxima, que está muito presente, mesmo que inconsciente.

Há um brilho que se manifesta nas pessoas que lidam com os diamantes. E não são só os diamantes que irradiam essa luz. Todas as outras pedras e até os minerais, são uma espécie de guardiões da luz das estrelas.

Ema Blanc: O encanto pelos diamantes e o seu simbolismo da transmutação máxima do ser humano (Imagem: António Sacchetti)


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